Olá queridos, boa noite a todos!
Acho que vcs conseguem ver o quanto eu gosto da literatura do Edgar Allan Poe, e acredito que vcs também gostem muito, pois são os posts mais visualizados do blog...
Mas enfim, procurei na net mais um de seus contos e achei alguns muito interessantes, mas principalmente "O Gato Preto", não é porque eu sou completamente apaixonada por esses animais, mas é uma forma de demonstrar que maltratá-los nunca é uma boa escolha!!!
Bom, leiam o conto, por favor, e depois me digam o que acharam!!
Não espero nem peço que se dê crédito à história sumamente
extraordinária e, no entanto, bastante doméstica que vou narrar. Louco seria eu
se esperasse tal coisa, tratando-se de um caso que os meus próprios sentidos se
negam a aceitar. Não obstante, não estou louco e, com toda a certeza, não
sonho. Mas amanhã posso morrer e, por isso, gostaria, hoje, de aliviar o meu espírito.
Meu propósito imediato é apresentar ao mundo, clara e sucintamente, mas sem
comentários, uma série de simples acontecimentos domésticos. Devido a suas
consequências, tais acontecimentos me aterrorizaram, torturaram e instruíram.
No entanto, não tentarei esclarecê-los. Em mim, quase não
produziram outra coisa senão horror _ mas, em muitas pessoas, talvez lhes
pareçam menos terríveis que grotesco. Talvez, mais tarde, haja alguma
inteligência que reduza o meu fantasma a algo comum _ uma inteligência mais
serena, mais lógica e muito menos excitável do que, a minha, que perceba, nas
circunstâncias a que me refiro com terror, nada mais do que uma sucessão comum
de causas e efeitos muito naturais.
Desde a infância, tomaram-se patentes a docilidade e o sentido
humano de meu caráter. A ternura de meu coração era tão evidente, que me tomava
alvo dos gracejos de meus companheiros. Gostava, especialmente, de animais, e
meus pais me permitiam possuir grande variedade deles. Passava com eles quase
todo o meu tempo, e jamais me sentia tão feliz como quando lhes dava de comer
ou os acariciava. Com os anos, aumentou esta peculiaridade de meu caráter e,
quando me tomei adulto, fiz dela uma das minhas principais fontes de prazer.
Aos que já sentiram afeto por um cão fiel e sagaz, não preciso dar-me ao
trabalho de explicar a natureza ou a intensidade da satisfação que se pode ter
com isso. Há algo, no amor desinteressado, e capaz de sacrifícios, de um
animal, que toca diretamente o coração daqueles que tiveram ocasiões frequentes
de comprovar a amizade mesquinha e a frágil fidelidade de um simples homem.
Casei cedo, e tive a sorte de encontrar em minha mulher
disposição semelhante à minha. Notando o meu amor pelos animais domésticos, não
perdia a oportunidade de arranjar as espécies mais agradáveis de bichos.
Tínhamos pássaros, peixes dourados, um cão, coelhos, um macaquinho e um gato.
Este último era um animal extraordinariamente grande e belo,
todo negro e de espantosa sagacidade. Ao referir-se à sua inteligência, minha
mulher, que, no íntimo de seu coração, era um tanto supersticiosa, fazia frequentes
alusões à antiga crença popular de que todos os gatos pretos são feiticeiras
disfarçadas. Não que ela se referisse seriamente a isso: menciono o fato apenas
porque aconteceu lembrar-me disso neste momento.
Pluto _ assim se chamava o gato _ era o meu preferido, com o
qual eu mais me distraía. Só eu o alimentava, e ele me seguia sempre pela casa.
Tinha dificuldade, mesmo, em impedir que me acompanhasse pela rua.
Nossa amizade durou, desse modo, vários anos, durante os
quais não só o meu caráter como o meu temperamento _ enrubesço ao confessá-lo _
sofreram, devido ao demônio da intemperança, uma modificação radical para pior.
Tomava-me, dia a dia, mais taciturno, mais irritadiço, mais indiferente aos
sentimentos dos outros. Sofria ao empregar linguagem desabrida ao dirigir-me à
minha mulher. No fim, cheguei mesmo a tratá-la com violência. Meus animais,
certamente, sentiam a mudança operada em meu caráter. Não apenas não lhes dava
atenção alguma, como, ainda, os maltratava. Quanto a Pluto, porém, ainda
despertava em mim consideração suficiente que me impedia de maltratá-lo, ao
passo que não sentia escrúpulo algum em maltratar os coelhos, o macaco e mesmo
o cão, quando, por acaso ou afeto, cruzavam em meu caminho. Meu mal, porém, ia
tomando conta de mim _ que outro mal pode se comparar ao álcool? _ e, no fim,
até Pluto, que começava agora a envelhecer e, por conseguinte, se tomara um
tanto rabugento, até mesmo Pluto começou a sentir os efeitos de meu mau humor.
Certa noite, ao voltar a casa, muito embriagado, de uma de
minhas andanças pela cidade, tive a impressão de que o gato evitava a minha
presença. Apanhei-o, e ele, assustado ante a minha violência, me feriu a mão,
levemente, com os dentes. Uma fúria demoníaca apoderou-se, instantaneamente, de
mim. Já não sabia mais o que estava fazendo. Dir-se-ia que, súbito, minha alma
abandonara o corpo, e uma perversidade mais do que diabólica, causada pela
genebra, fez vibrar todas as fibras de meu ser. Tirei do bolso um canivete,
abri-o, agarrei o pobre animal pela garganta e, friamente, arranquei de sua
órbita um dos olhos! Enrubesço, estremeço, abraso-me de vergonha, ao
referir-me, aqui, a essa abominável atrocidade.
Quando, com a chegada da manhã, voltei à razão _ dissipados
já os vapores de minha orgia noturna, experimentei, pelo crime que praticara,
um sentimento que era um misto de horror e remorso; mas não passou de um
sentimento superficial e equívoco, pois minha alma permaneceu impassível.
Mergulhei novamente em excessos, afogando logo no vinho a lembrança do que
acontecera.
Entrementes, o gato se restabeleceu, lentamente. A órbita do
olho perdido apresentava, é certo, um aspecto horrendo, mas não parecia mais
sofrer qualquer dor. Passeava pela casa como de costume, mas, como bem se
poderia esperar, fugia, tomado de extremo terror, à minha aproximação.
Restava-me ainda o bastante de meu antigo coração para que, a princípio,
sofresse com aquela evidente aversão por parte de um animal que, antes, me
amara tanto. Mas esse sentimento logo se transformou em irritação. E, então,
como para perder-me final e irremissivelmente, surgiu o espírito da
perversidade. Desse espírito, a filosofia não toma conhecimento. Não obstante,
tão certo como existe minha alma, creio que a perversidade é um dos impulsos
primitivos do coração humano – uma das faculdades, ou sentimentos primários,
que dirigem o caráter do homem. Quem não se viu, centenas de vezes, a cometer
ações vis ou estúpidas, pela única razão de que sabia que não devia cometê-las?
Acaso não sentimos uma inclinação constante mesmo quando estamos no melhor do
nosso juízo, para violar aquilo que é lei, simplesmente porque a compreendemos
como tal? Esse espírito de perversidade, digo eu, foi a causa de minha queda
final. O vivo e insondável desejo da alma de atormentar-se a si mesma, de
violentar sua própria natureza, de fazer o mal pelo próprio mal, foi o que me
levou a continuar e, afinal, a levar a cabo o suplício que infligira ao
inofensivo animal. Uma manhã, a sangue frio, meti- lhe um nó corredio em torno
do pescoço e enforquei-o no galho de uma árvore. Fi-lo com os olhos cheios de
lágrimas, com o coração transbordante do mais amargo remorso. Enforquei-o
porque sabia que ele me amara, e porque reconhecia que não me dera motivo algum
para que me voltasse contra ele. Enforquei-o porque sabia que estava cometendo
um pecado _ um pecado mortal que comprometia a minha alma imortal, afastando-a,
se é que isso era possível, da misericórdia infinita de um Deus infinitamente
misericordioso e infinitamente terrível.
Na noite do dia em que foi cometida essa ação tão cruel, fui
despertado pelo grito de “fogo!”. As cortinas de minha cama estavam em chamas.
Toda a casa ardia. Foi com grande dificuldade que minha mulher, uma criada e eu
conseguimos escapar do incêndio. A destruição foi completa. Todos os meus bens
terrenos foram tragados pelo fogo, e, desde então, me entreguei ao desespero.
Não pretendo estabelecer relação alguma entre causa e efeito
– entre o desastre e a atrocidade por mim cometida. Mas estou descrevendo uma
sequência de fatos, e não desejo omitir nenhum dos elos dessa cadeia de
acontecimentos. No dia seguinte ao do incêndio, visitei as ruínas. As paredes,
com exceção de uma apenas, tinham desmoronado. Essa única exceção era
constituída por um fino tabique interior, situado no meio da casa, junto ao
qual se achava a cabeceira de minha cama. O reboco havia, aí, em grande parte,
resistido à ação do fogo _ coisa que atribuí ao fato de ter sido ele construído
recentemente. Densa multidão se reunira em torno dessa parede, e muitas pessoas
examinavam, com particular atenção e minuciosidade, uma parte dela, As palavras
“estranho!”, “singular!”, bem como outras expressões semelhantes,
despertaram-me a curiosidade. Aproximei- me e vi, como se gravada em
baixo-relevo sobre a superfície branca, a figura de um gato gigantesco. A
imagem era de uma exatidão verdadeiramente maravilhosa. Havia uma corda em tomo
do pescoço do animal.
Logo que vi tal aparição, pois não poderia considerar aquilo
como sendo outra coisa, o assombro e terror que se me apoderaram foram
extremos. Mas, finalmente, a reflexão veio em meu auxílio. O gato, lembrei-me,
fora enforcado num jardim existente junto à casa. Aos gritos de alarma, o
jardim fora imediatamente invadido pela multidão. Alguém deve ter retirado o
animal da árvore, lançando- o, através de uma janela aberta, para dentro do meu
quarto. Isso foi feito, provavelmente, com a intenção de despertar-me. A queda
das outras paredes havia comprimido a vítima de minha crueldade no gesso
recentemente colocado sobre a parede que permanecera de pé. A cal do muro, com
as chamas e o amoníaco desprendido da carcaça, produzira a imagem tal qual eu
agora a via.
Embora isso satisfizesse prontamente minha razão, não
conseguia fazer o mesmo, de maneira completa, com minha consciência, pois o
surpreendente fato que acabo de descrever não deixou de causar-me, apesar de
tudo, profunda impressão. Durante meses, não pude livrar-me do fantasma do gato
e, nesse espaço de tempo, nasceu em meu espírito uma espécie de sentimento que
parecia remorso, embora não o fosse. Cheguei, mesmo, a lamentar a perda do
animal e a procurar, nos sórdidos lugares que então frequentava, outro bichano
da mesma espécie e de aparência semelhante que pudesse substituí-lo.
Uma noite, em que me achava sentado, meio aturdido, num
antro mais do que infame, tive a atenção despertada, subitamente, por um objeto
negro que jazia no alto de um dos enormes barris, de genebra ou rum, que
constituíam quase que o único mobiliário do recinto. Fazia já alguns minutos
que olhava fixamente o alto do barril, e o que então me surpreendeu foi não ter
visto antes o que havia sobre o mesmo. Aproximei-me e toquei-o com a mão. Era
um gato preto, enorme _ tão grande quanto Pluto _ e que, sob todos os aspectos,
salvo um, se assemelhava a ele. Pluto não tinha um único pêlo branco em todo o
corpo _ e o bichano que ali estava possuía uma mancha larga e branca, embora de
forma indefinida, a cobrir-lhe quase toda a região do peito.
Ao acariciar-lhe o dorso, ergueu-se imediatamente,
ronronando com força e esfregando-se em minha mão, como se a minha atenção lhe
causasse prazer. Era, pois, o animal que eu procurava. Apressei-me em propor ao
dono a sua aquisição, mas este não manifestou interesse algum pelo felino. Não
o conhecia; jamais o vira antes.
Continuei a acariciá-lo e, quando me dispunha a voltar para
casa, o animal demonstrou disposição de acompanhar-me. Permiti que o fizesse _
detendo-me, de vez em quando, no caminho, para acariciá-lo. Ao chegar,
sentiu-se imediatamente à vontade, como se pertencesse a casa, tomando- se,
logo, um dos bichanos preferidos de minha mulher.
De minha parte, passei a sentir logo aversão por ele.
Acontecia, pois, justamente o contrário do que eu esperava. Mas a verdade é que
– não sei como nem por quê _ seu evidente amor por mim me desgostava e
aborrecia. Lentamente, tais sentimentos de desgosto e fastio se converteram no
mais amargo ódio. Evitava o animal. Uma sensação de vergonha, bem como a
lembrança da crueldade que praticara, impediam-me de maltratá-lo fisicamente.
Durante algumas semanas, não lhe bati nem pratiquei contra ele qualquer
violência; mas, aos poucos – muito gradativamente _ , passei a sentir por ele
inenarrável horror, fugindo, em silêncio, de sua odiosa presença, como se
fugisse de uma peste.
Sem dúvida, o que aumentou o meu horror pelo animal foi a
descoberta, na manhã do dia seguinte ao que o levei para casa, que, como Pluto,
também havia sido privado de um dos olhos. Tal circunstância, porém, apenas
contribuiu para que minha mulher sentisse por ele maior carinho, pois, como já
disse, era dotada, em alto grau, dessa ternura de sentimentos que constituíra,
em outros tempos, um de meus traços principais, bem como fonte de muitos de
meus prazeres mais simples e puros.
No entanto, a preferência que o animal demonstrava pela
minha pessoa parecia aumentar em razão direta da aversão que sentia por ele.
Seguia-me os passos com uma pertinácia que dificilmente poderia fazer com que o
leitor compreendesse. Sempre que me sentava, enrodilhava- se embaixo de minha
cadeira, ou me saltava ao colo, cobrindo-me com suas odiosas carícias. Se me
levantava para andar, metia-se-me entre as pernas e quase me derrubava, ou
então, cravando suas longas e afiadas garras em minha roupa, subia por ela até
o meu peito. Nessas ocasiões, embora tivesse ímpetos de matá-lo de um golpe,
abstinha-me de fazê-lo devido, em parte, à lembrança de meu crime anterior,
mas, sobretudo _ apresso-me a confessá-lo _ , pelo pavor extremo que o animal
me despertava.
Esse pavor não era exatamente um pavor de mal físico e,
contudo, não saberia defini-lo de outra maneira. Quase me envergonha confessar
_ sim, mesmo nesta cela de criminoso _ , quase me envergonha confessar que o
terror e o pânico que o animal me inspirava eram aumentados por uma das mais
puras fantasias que se possa imaginar. Minha mulher, mais de uma vez, me
chamara a atenção para o aspecto da mancha branca a que já me referi, e que
constituía a única diferença visível entre aquele estranho animal e o outro,
que eu enforcara. O leitor, decerto, se lembrará de que aquele sinal, embora
grande, tinha, a princípio, uma forma bastante indefinida. Mas, lentamente, de
maneira quase imperceptível _ que a minha imaginação, durante muito tempo,
lutou por rejeitar como fantasiosa _, adquirira, por fim, uma nitidez rigorosa
de contornos. Era, agora, a imagem de um objeto cuja menção me faz tremer… E,
sobretudo por isso, eu o encarava como a um monstro de horror e repugnância, do
qual eu, se tivesse coragem, me teria livrado. Era agora, confesso, a imagem de
uma coisa odiosa, abominável: a imagem da forca! Oh, lúgubre e terrível máquina
de horror e de crime, de agonia e de morte!
Na verdade, naquele momento eu era um miserável _ um ser que
ia além da própria miséria da humanidade. Era uma besta-fera, cujo irmão fora
por mim desdenhosamente destruído… uma besta- fera que se engendrara em mim,
homem feito à imagem do Deus Altíssimo. Oh, grande e insuportável infortúnio!
Ai de mim! Nem de dia, nem de noite, conheceria jamais a bênção do descanso! Durante
o dia, o animal não me deixava a sós um único momento; e, à noite, despertava
de hora em hora, tomado do indescritível terror de sentir o hálito quente da
coisa sobre o meu rosto, e o seu enorme peso _ encarnação de um pesadelo que
não podia afastar de mim _ pousado eternamente sobre o meu coração!
Sob a pressão de tais tormentos, sucumbiu o pouco que
restava em mim de bom. Pensamentos maus converteram-se em meus únicos
companheiros _ os mais sombrios e os mais perversos dos pensamentos. Minha
rabugice habitual se transformou em ódio por todas as coisas e por toda a
humanidade _ e enquanto eu, agora, me entregava cegamente a súbitos, frequentes
e irreprimíveis acessos de cólera, minha mulher – pobre dela! – não se queixava
nunca convertendo-se na mais paciente e sofredora das vítimas.
Um dia, acompanhou-me, para ajudar-me numa das tarefas
domésticas, até o porão do velho edifício em que nossa pobreza nos obrigava a
morar, O gato seguiu-nos e, quase fazendo-me rolar escada abaixo, me exasperou
a ponto de perder o juízo. Apanhando uma machadinha e esquecendo o terror
pueril que até então contivera minha mão, dirigi ao animal um golpe que teria
sido mortal, se atingisse o alvo. Mas minha mulher segurou-me o braço, detendo
o golpe. Tomado, então, de fúria demoníaca, livrei o braço do obstáculo que o
detinha e cravei-lhe a machadinha no cérebro. Minha mulher caiu morta
instantaneamente, sem lançar um gemido.
Realizado o terrível assassínio, procurei, movido por súbita
resolução, esconder o corpo. Sabia que não poderia retirá-lo da casa, nem de
dia nem de noite, sem correr o risco de ser visto pelos vizinhos.
Ocorreram-me vários planos. Pensei, por um instante, em
cortar o corpo em pequenos pedaços e destruí-los por meio do fogo. Resolvi,
depois, cavar uma fossa no chão da adega. Em seguida, pensei em atirá-lo ao
poço do quintal. Mudei de ideia e decidi metê-lo num caixote, como se fosse uma
mercadoria, na forma habitual, fazendo com que um carregador o retirasse da
casa. Finalmente, tive uma ideia que me pareceu muito mais prática: resolvi
emparedá-lo na adega, como faziam os monges da Idade Média com as suas vítimas.
Aquela adega se prestava muito bem para tal propósito. As
paredes não haviam sido construídas com muito cuidado e, pouco antes, haviam
sido cobertas, em toda a sua extensão, com um reboco que a umidade impedira de
endurecer. Ademais, havia uma saliência numa das paredes, produzida por alguma
chaminé ou lareira, que fora tapada para que se assemelhasse ao resto da adega.
Não duvidei de que poderia facilmente retirar os tijolos naquele lugar,
introduzir o corpo e recolocá-los do mesmo modo, sem que nenhum olhar pudesse
descobrir nada que despertasse suspeita.
E não me enganei em meus cálculos. Por meio de uma alavanca,
desloquei facilmente os tijolos e tendo depositado o corpo, com cuidado, de
encontro à parede interior. Segurei-o nessa posição, até poder recolocar, sem
grande esforço, os tijolos em seu lugar, tal como estavam anteriormente.
Arranjei cimento, cal e areia e, com toda a precaução possível, preparei uma
argamassa que não se podia distinguir da anterior, cobrindo com ela,
escrupulosamente, a nova parede. Ao terminar, senti-me satisfeito, pois tudo
correra bem. A parede não apresentava o menor sinal de ter sido rebocada.
Limpei o chão com o maior cuidado e, lançando o olhar em tomo, disse, de mim
para comigo: “Pelo menos aqui, o meu trabalho não foi em vão”.
O passo seguinte foi procurar o animal que havia sido a
causa de tão grande desgraça, pois resolvera, finalmente, matá-lo. Se, naquele
momento, tivesse podido encontrá-lo, não haveria dúvida quanto à sua sorte: mas
parece que o esperto animal se alarmara ante a violência de minha cólera, e
procurava não aparecer diante de mim enquanto me encontrasse naquele estado de
espírito. Impossível descrever ou imaginar o profundo e abençoado alívio que me
causava a ausência de tão detestável felino. Não apareceu também durante a
noite _ e, assim, pela primeira vez, desde sua entrada em casa, consegui dormir
tranquila e profundamente. Sim, dormi mesmo com o peso daquele assassínio sobre
a minha alma.
Transcorreram o segundo e o terceiro dia _ e o meu algoz não
apareceu. Pude respirar, novamente, como homem livre. O monstro, aterrorizado
fugira para sempre de casa. Não tomaria a vê-lo! Minha felicidade era infinita!
A culpa de minha tenebrosa ação pouco me inquietava. Foram feitas algumas
investigações, mas respondi prontamente a todas as perguntas. Procedeu-se,
também, a uma vistoria em minha casa, mas, naturalmente, nada podia ser
descoberto. Eu considerava já como coisa certa a minha felicidade futura.
No quarto dia após o assassinato, uma caravana policial
chegou, inesperadamente, a casa, e realizou, de novo, rigorosa investigação.
Seguro, no entanto, de que ninguém descobriria jamais o lugar em que eu
ocultara o cadáver, não experimentei a menor perturbação. Os policiais pediram-
me que os acompanhasse em sua busca. Não deixaram de esquadrinhar um canto
sequer da casa. Por fim, pela terceira ou quarta vez, desceram novamente ao
porão. Não me alterei o mínimo que fosse. Meu coração batia calmamente, como o
de um inocente. Andei por todo o porão, de ponta a ponta. Com os braços
cruzados sobre o peito, caminhava, calmamente, de um lado para outro. A polícia
estava inteiramente satisfeita e preparava-se para sair. O júbilo que me
inundava o coração era forte demais para que pudesse contê-lo. Ardia de desejo
de dizer uma palavra, uma única palavra, à guisa de triunfo, e também para
tomar duplamente evidente a minha inocência.
_ Senhores _ disse, por fim, quando os policiais já subiam a
escada _ , é para mim motivo de grande satisfação haver desfeito qualquer
suspeita. Desejo a todos os senhores ótima saúde e um pouco mais de cortesia.
Diga-se de passagem, senhores, que esta é uma casa muito bem construída… (Quase
não sabia o que dizia, em meu insopitável desejo de falar com naturalidade.)
Poderia, mesmo, dizer que é uma casa excelentemente construída. Estas paredes _
os senhores já se vão? _ , estas paredes são de grande solidez.
Nessa altura, movido por pura e frenética fanfarronada, bati
com força, com a bengala que tinha na mão, justamente na parte da parede atrás
da qual se achava o corpo da esposa de meu coração.
Que Deus me guarde e livre das garras de Satanás! Mal o eco
das batidas mergulhou no silêncio, uma voz me respondeu do fundo da tumba,
primeiro com um choro entrecortado e abafado, como os soluços de uma criança;
depois, de repente, com um grito prolongado, estridente, contínuo,
completamente anormal e inumano. Um uivo, um grito agudo, metade de horror,
metade de triunfo, como somente poderia ter surgido do inferno, da garganta dos
condenados, em sua agonia, e dos demônios exultantes com a sua condenação.
Quanto aos meus pensamentos, é loucura falar. Sentindo-me
desfalecer, cambaleei até à parede oposta. Durante um instante, o grupo de
policiais deteve-se na escada, imobilizado pelo terror. Decorrido um momento,
doze braços vigorosos atacaram a parede, que caiu por terra. O cadáver, já em
adiantado estado de decomposição, e coberto de sangue coagulado, apareceu,
ereto, aos olhos dos presentes.
Sobre sua cabeça, com a boca vermelha dilatada e o único
olho chamejante, achava-se pousado o animal odioso, cuja astúcia me levou ao
assassínio e cuja voz reveladora me entregava ao carrasco. Eu havia emparedado
o monstro dentro da tumba!
Edgar Allan Poe
Vcs podem achar mais contos dele clicando
aqui!